A Guerra na Ucrânia — “A Moral e o Petróleo — Nova Vida com Elegância”.  Por Carlos Matos Gomes

Seleção de Francisco Tavares

5 m de leitura

A Moral e o Petróleo — Nova Vida com Elegância

 Por Carlos Matos Gomes

Em 1 de Junho de 2022 (original aqui)

 

As sanções ao petróleo e ao gás da Rússia têm sido apresentadas pelos seus defensores como tendo uma base moral. Somos povos de bem, dizem-nos de Bruxelas e de Washington. A Rússia é uma ditadura, não respeita os direitos humanos, e invadiu um estado soberano.

O que vale para a Rússia, devia valer, se fosse verdade que as sanções são por motivos morais, para os outros grandes produtores de petróleo e gás mundiais. É aqui que a moral começa a abrir fissuras de hipocrisia.

Os 15 maiores produtores de petróleo são (Wikipedia):

  1. EUA 13.55%
  2. Rússia 11.67%
  3. Arábia Saudita (OPEP) 10.23%
  4. Canadá 4.96%
  5. Iraque (OPEP) 4.59%
  6. China 3.97%
  7. Irão (OPEP) 3.90%
  8. Brasil 3.02%
  9. Emirados Árabes Unidos (OPEP)3.01%
  10. Kuwait (OPEP) 2.78%
  11. México 2.29%
  12. Noruega 2.02%
  13. Venezuela (OPEP) 2.02%
  14. Angola (OPEP) 1.68% 2017
  15. Cazaquistão 1.64%

Os 10 países com maiores reservas de gás: (Wikimedia Commons)

  1. Rússia 21,4%
  2. Irão 15,9%
  3. Catar 12%
  4. Turquemenistão 11,7%
  5. Estados Unidos 4,1%
  6. Arábia Saudita 3,9%
  7. Emirados Árabes 2,9%
  8. Venezuela 2,7%
  9. Nigéria 2,5%
  10. Argélia 2,2%

Em resumo, e sem introduzir critérios de custos de produção, transporte e ambientais, para comprar petróleo a fornecedores moralmente aceitáveis temos os EUA (embora com um currículo como estado invasor bem mais preenchido que o da Rússia, por exemplo, mas são os nossos senhorios), o Canadá, o Brasil, o México, a Noruega e Angola. Isto é, no máximo e com boa vontade democrática, 27,5% da produção. O resto são ditaduras, estados invasores, estados parias. Para comprar gás a situação moral ainda se agrava. Apenas os Estados Unidos (com a boa vontade de esquecer as invasões, os golpes sujos e os embargos) são moralmente aceitáveis. Representam 4,1% das reservas. O resto é gás perverso e moralmente abjeto.

Para termos petróleo e gás passamos nós, os bons, a admitir ditaduras boas e ditaduras más, invasões boas e invasões más? Dinheiro bom e dinheiro mau? Gasolina boa e gasolina má? Ou assumimos as consequências dos nossos firmes princípios morais?

Quem sai melhor nesta amoralidade política são os chineses, os maiores ciclistas mundiais até há poucos anos, os japoneses que continuam a comer alimentos crus e não necessitam de gás, ou os indianos, que usam como combustível a bosta das vacas, ou os pigmeus africanos que comem insetos e são de baixo consumo, ou os esquimós que pescam focas à linha num buraco de gelo.

A União Europeia e os Estados Unidos, faróis da moralidade política, mas gordos e luzidios de hamburgueres e pizzas, a acreditar nas proclamações dos seus virtuosos próceres, vão regressar aos veleiros, à trotineta e à dieta vegetariana? Vamos voltar a recolher bagas e amoras? A roer castanhas?

Se sim, vamos ficar elegantes, musculados e bronzeados! Exatamente como nos folhetos da publicidade.

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O autor: Carlos Matos Gomes [1946-] é coronel reformado do exército, cumpriu três missões na Guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné, nas tropas especiais dos “Comandos”. Ficou ferido em combate e foi condecorado com as Medalhas de Cruz de Guerra de 1.ª e 2.ª Classe.

Capital de Abril pertenceu à Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné.

Investigador de história contemporânea de Portugal. É escritor com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz. Autor de: Nó Cego (1982), Os Lobos não Usam Coleira (1995), Soldadó (1996), Flamingos Dourados (2004), Fala-me de África (2007), Basta-me Viver (2010), A Mulher do Legionário (2013), A Estrada dos Silêncios (2015), A Última Viúva de África (2017, Prémio Fernando Namora 2018), Que fazer contigo, pá? (2019), Angoche-Os fantasmas do Império (2021). Em co-autoria com Aniceto Afonso: Guerra Colonial (2000), Guerra Colonial – Um Repóter em Angola (2001), Portugal e a Grande Guerra 1914-1918 (2013), Os Anos da Guerra Colonial 1961-1975 (2010), Alcora. O Acordo Secreto do Colonialismo. Portugal, África do Sul e Rodésia na última fase da guerra colonial (2013), Portugal e a Grande Guerra 1914 – 1915. Uma História Diferente (2014), Portugal e a Grande Guerra 1914 – 1915. As Trincheiras (2014), Portugal e a Grande Guerra 1917 – 1918. Uma Guerra Mundial (2014), Portugal e a Grande Guerra 1919-. O Pós-Guerra (2014), Portugal e a Grande Guerra 1918 – 1919. O fim da Guerra (2014), Portugal e a Grande Guerra 1914- O Início da Guerra (2014), A Conquista das Almas. Cartazes e panfletos da acção psicológica na guerra colonial (2016).

 

 

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